Introdução
A Igreja do Brasil está vivendo um proveitoso momento de
reflexão sobre sua missão. A 53ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil (2015), aprovou as Diretrizes
Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (DGAE) até 2019. As
diretrizes são elaboradas a cada quatro anos. De maneira especial estas
Diretrizes refletem a nova forma de ser Igreja sugerida pelo Papa Francisco na
sua Exortação Apostólica Evangelii
Gaudium (Alegria do Evangelho) e na sua Bula Misericordiae Vultus (O rosto da misericórdia).
Nestes dois documentos esboçam-se os elementos, hoje
necessários para a evangelização. Parte-se da Igreja em saída, expressão do
primeiro, que anuncia o rosto misericordioso de Cristo, tema central do
segundo, capaz de responder as angustiantes questões existências do ser humano
atual.
As Diretrizes nos indicam quem são os destinatários da
missão: os que frequentam regularmente a comunidade, os que já vivem a
exigência do Batismo e os que não conhecem a Jesus Cristo ou que o recusam
(n.74). O anúncio parte do pressuposto de que as pessoas já não vivem mais
profundamente a dimensão da sua fé, muitos até a abandonaram. Neste contexto,
inicia-se o anúncio pelo Querigma
como boa notícia de salvação destinada a todas as pessoas. (n.44).
O Papa Bento XVI - preocupado com a perda dos fundamentos
da fé, até por aqueles que ainda estão na Igreja - convocou ao Ano da Fé, em 2011. Com a Carta
Apostólica Porta Fidei (Porta da Fé),
o papa emérito convidou-nos a “redescobrir o caminho da fé para fazer
brilhar, com evidência sempre maior, a alegria e o renovado entusiasmo do
encontro com Cristo” (n. 2).
Levando
em conta que os missionários que participarão das missões populares anunciarão
a alegria de viver a sua fé no Deus Trindade e que serão inquiridos sobre as
razões da sua fé, proponho-me, neste artigo, a compartilhar alguns pensamentos
sobre os fundamentos da nossa fé.
O
encontro com Cristo como ponto de partida
Escolhi
como ponto de partida o Evangelho de Lucas 5,1-11. O texto diz respeito ao
encontro de Jesus com os seus primeiros discípulos: Simão, Tiago e João.
Jesus
pregava à margem do lago de Genesaré e a multidão o comprimia. Enquanto assim
fazia, eis que pescadores lavavam as suas redes ao lado. A noite que se
encerrara fora de profunda frustração e tristeza, pois não haviam pescado nada.
Jesus sobe na barca de Simão, pedindo-lhe que afastasse um pouco da terra, para
poder falar melhor à multidão. Quando termina pede a Simão que adentre a águas
mais profundas a fim de pescar. Simão, um pescador experiente, homem acostumado
a confiar em suas capacidades e habilidades, replica: “Mestre labutamos a noite inteira sem nada conseguir, mas em tua palavra
lançarei as redes” (Lc 5,5).
Todo
bom pescador sabe que quando não se pega peixe à noite, durante o dia a tarefa torna-se
mais difícil. Mas, em razão do pedido do mestre ele dá este passo de confiança.
Lançando as redes recolhe tamanha quantidade de peixe que precisa pedir ajuda
aos outros companheiros. Ao perceber o que acontecia Simão tem medo de Jesus e
lhe diz: “Afasta-te de mim, Senhor, pois
sou um pecador” (Lc 5,8). Ao que Jesus responde: “Não tenhais medo, doravante serás pescador de homens” (Lc 5,10). Jesus
muda o nome de Simão para Pedro, indicando que uma nova vida se lhe abria.
Então, “atracando as barcas à terra,
deixaram tudo e o seguiram” (Lc 5,11).
Simão e os outros discípulos encontravam-se em um momento
chave das suas vidas. A rede vazia representava o profundo vazio existencial
que lhes tomava conta. Esta metáfora traduz a condição humana que,
exaustivamente, lança as redes em busca de realização e felicidade, sem nada
apanhar. Isso acontece porque se Deus não está na barca da existência humana,
nada pode preencher o abismo profundo da alma. Nas redes de suas vidas, Simão e
os companheiros constatam que há peixes, embora pareça que nunca sejam suficientes. Sentem que falta algo mais para
encher um abismo não preenchível por nada, nem pelo aconchego da família, nem
pelas compensações conjugais, nem pela presença dos filhos, nem pelo dinheiro
ganho. Cabisbaixos, abatidos, desanimados, sem esperança e sem alegria, aqueles
discípulos representam todo ser humano que em algum momento da sua existência repensa
sua história e questiona-se ao nível dos “porquês”, formulado por questões
existenciais chaves, tais como: “por que vivo?”, “para que vivo?” e “para quem
vivo?”.
Questionar-se sobre o sentido último da existência e
sobre aquilo que tem valor ou não, é o primeiro passo do caminho de conversão.
Quando em Pentecostes Pedro anunciou o querigma,
ou seja, o anúncio da boa nova da salvação dada à humanidade por Cristo ao
morrer e ressuscitar, a multidão perguntava: o que devemos fazer? A
resposta não foi outra senão aquela mesma experimentada pelo próprio Pedro: seguir
o mestre e pertencer, de fato, ao povo de Deus em marcha (Igreja). Isto garante
a todos uma pesca milagrosa e uma rede cheia.
Em cada tempo da nossa caminhada humana e cristã, Jesus
convida a adentrar em águas mais profundas. Isto significa avançar no vasto
oceano da sabedoria de Deus que nos abre a experiência da vida cristã em sua
Igreja. A caminhada cristã permite perscrutar os desígnios de Deus para cada um,
porque certamente, tudo aquilo que ele pensou para nós ainda não se revelou por
completo. Ora, este movimento somente pode acontecer pela fé.
A
fé como decisão por Deus
O
que é a fé, então? Nos ensinamentos da Igreja, considerou-se que a fé é o
resultado de quem deu um passo de confiança em Deus e, portanto, fez um caminho
de conhecimento Dele. A fé possui sete características:
1.
É
um dom de Deus que todos podem ter, mediante pedido intenso.
2.
É
uma força sobrenatural, que está além da força humana e que necessariamente
precisamos para alcançar a salvação.
3.
É
um ato de vontade livre e de lucidez do ser humano quando ele se abandona ao
convite divino.
4.
É
absolutamente segura, porque garantida por Jesus.
5.
É
incompleta se não for por amor, força que a faz operante.
6.
Cresce
na medida em que escutamos cada vez melhor a Palavra de Deus e permanecemos com
Ele, na oração, em diálogo de vivo intercâmbio.
7.
Permite-nos
a experiência antecipada da alegria de estar com Deus no Reino do Céu, aquilo
que a teologia chegou a afirmar que é o “já e o ainda não”.
Para
o questionamento que procura saber o como se crê? A resposta passa pela via da ligação pessoal com Deus, que se abre para acreditar em tudo o
que Ele revelou sobre si mesmo. É uma adesão e entrega nas mãos de Jesus
Cristo: “Quando a fé nasce, ocorre com
frequência uma perturbação ou um desassossego. O ser humano apercebe-se de que
o mundo visível e o decurso normal das coisas não correspondem a tudo o que
existe. Sente-se tocado por um mistério. Persegue as pistas que o remetem para
a existência de Deus e encontra-se cada vez mais confiante em abordar Deus e,
por fim, ligar-se a Ele livremente” (Youcat, 22).
Ao
se afirmar que é na Igreja que a fé é vivida intensa e profundamente surge,
inevitavelmente, a seguinte pergunta: o que tem a minha fé a ver com a Igreja? Este questionamento precisa ser
abordado porque há aqueles que afirmam ter muita fé sem participar da
comunidade cristã. Na tradição dos primeiros cristãos o primeiro passo da fé
foi acolher e aderir a Cristo e o segundo, aprofundar essa adesão na vida da
comunidade, a Igreja. Se uma pessoa adere a Jesus Cristo e não se deixa ser
conduzido pelos caminhos da maturação da sua fé, corre o risco de criar a
crença num “Jesus Cristo” particular, produto da sua imaginação e, portanto,
distante do verdadeiro Cristo. O Papa Bento XVI afirmava que “é importante aquilo em que cremos, mas mais
importante ainda é Aquele em quem cremos”. Foi para o crescimento na fé que
Jesus instituiu a sua Igreja, local onde se reúnem aqueles que creem em Deus: “Cada crente dá o seu consentimento ao Credo
da Igreja. Dela recebeu a fé. Foi ela que, ao logo dos séculos, lhe transmitiu
a fé, a guardou de adulterações e a clarificou constantemente. Crer é,
portanto, tomar parte numa convicção comum. A fé dos outros transporta-me, como
também o fogo da minha fé incendeia os outros e os fortalece” (Youcat, 24).
Convictos
de que a fé tem como ponto de partida a aceitação da pessoa de Cristo e como
etapa subsequente, a caminhada de amadurecimento da mesma, na Igreja,
pergunta-se: em que cremos? Para responder, recorremos aos conteúdos da
nossa fé, que estão expressos de forma resumida no Credo que todos os domingos
repetimos na Missa. As afirmações do Credo foram firmadas nos primeiros séculos
do início da Igreja, quando muitas ideias tendiam a distorcer os fundamentos da
fé. Professar a fé Católica é, portanto, acreditar e manifestar convictamente
os artigos do Credo. Assim:
·
Cremos
no Deus Trindade que é um só Deus em três pessoas reais e distintas: Pai, Filho
e Espírito Santo. Cremos que Jesus Cristo e o Espírito Santo é Deus como o Pai.
·
Cremos
no Deus criador do céu e da terra e de todas as coisas visíveis e invisíveis.
·
Cremos
em Jesus Cristo, Filho único de Deus, nascido do Pai antes de todos os séculos,
gerado e não criado, de igual substância ao Pai. Por Ele todas as coisas foram
feitas e por nós, homens, e para nossa salvação desceu dos Céus. Encarnou, por
obra do Espírito Santo, no seio da Virgem Maria e, assim, se fez homem. Morreu
por nós e sob o poder de Pôncio Pilatos padeceu, morreu e depois foi sepultado.
Contudo, ressuscitou ao terceiro dia, conforme o testemunho das Escrituras.
Subiu aos céus, onde está sentado à direita do Pai, até quando voltará em sua
glória para julgar os vivos e os mortos e, então, o seu reino não terá fim.
·
Cremos
no Espírito Santo, Senhor que dá a vida, e procede do Pai e do Filho. Com o Pai
e o Filho é adorado e glorificado, tendo falado por todos os profetas.
·
Cremos
na Igreja que é una, santa, católica (universal) e apostólica. Professamos e
somos fiéis a um só Batismo, defendendo-o para a libertação dos pecados.
Esperamos a ressurreição dos mortos e a vida do mundo que há de vir.
Conclusão
Nestas
missões populares em que viveremos a dimensão missionária do nosso batismo, que
cada um renove, junto a Cristo, a sua fé que foi recebida da Igreja como um
dom, mas também como tarefa. É dom porque dado gratuitamente por Deus. É também
tarefa, de aprofundarmos o conhecimento e a vivência da fé e, ainda,
testemunhá-la ao mundo.
Aventuremo-nos,
porém com segurança, pelas águas profundas da sabedoria e da experiência com
Deus. Como a Pedro e a seus companheiros, Jesus nos convida a não ter medo!
Pe. Valdomiro José de Souza
Pe. Valdomiro é Coordenador
Diocesano de Pastoral e pároco da Paróquia São João Batista na Diocese de Franca/SP. |