segunda-feira, 9 de novembro de 2015

O ANÚNCIO DA FÉ: REFLEXÕES PARA AS MISSÕES POPULARES - Pe. Valdomiro José de Souza



Introdução

            A Igreja do Brasil está vivendo um proveitoso momento de reflexão sobre sua missão. A 53ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (2015), aprovou as Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (DGAE) até 2019. As diretrizes são elaboradas a cada quatro anos. De maneira especial estas Diretrizes refletem a nova forma de ser Igreja sugerida pelo Papa Francisco na sua Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (Alegria do Evangelho) e na sua Bula Misericordiae Vultus (O rosto da misericórdia).

            Nestes dois documentos esboçam-se os elementos, hoje necessários para a evangelização. Parte-se da Igreja em saída, expressão do primeiro, que anuncia o rosto misericordioso de Cristo, tema central do segundo, capaz de responder as angustiantes questões existências do ser humano atual.

            As Diretrizes nos indicam quem são os destinatários da missão: os que frequentam regularmente a comunidade, os que já vivem a exigência do Batismo e os que não conhecem a Jesus Cristo ou que o recusam (n.74). O anúncio parte do pressuposto de que as pessoas já não vivem mais profundamente a dimensão da sua fé, muitos até a abandonaram. Neste contexto, inicia-se o anúncio pelo Querigma como boa notícia de salvação destinada a todas as pessoas. (n.44).

            O Papa Bento XVI - preocupado com a perda dos fundamentos da fé, até por aqueles que ainda estão na Igreja - convocou ao Ano da Fé, em 2011. Com a Carta Apostólica Porta Fidei (Porta da Fé), o papa emérito convidou-nos a  “redescobrir o caminho da fé para fazer brilhar, com evidência sempre maior, a alegria e o renovado entusiasmo do encontro com Cristo” (n. 2).

Levando em conta que os missionários que participarão das missões populares anunciarão a alegria de viver a sua fé no Deus Trindade e que serão inquiridos sobre as razões da sua fé, proponho-me, neste artigo, a compartilhar alguns pensamentos sobre os fundamentos da nossa fé.

O encontro com Cristo como ponto de partida
  
Escolhi como ponto de partida o Evangelho de Lucas 5,1-11. O texto diz respeito ao encontro de Jesus com os seus primeiros discípulos: Simão, Tiago e João.
Jesus pregava à margem do lago de Genesaré e a multidão o comprimia. Enquanto assim fazia, eis que pescadores lavavam as suas redes ao lado. A noite que se encerrara fora de profunda frustração e tristeza, pois não haviam pescado nada. Jesus sobe na barca de Simão, pedindo-lhe que afastasse um pouco da terra, para poder falar melhor à multidão. Quando termina pede a Simão que adentre a águas mais profundas a fim de pescar. Simão, um pescador experiente, homem acostumado a confiar em suas capacidades e habilidades, replica: “Mestre labutamos a noite inteira sem nada conseguir, mas em tua palavra lançarei as redes” (Lc 5,5).

Todo bom pescador sabe que quando não se pega peixe à noite, durante o dia a tarefa torna-se mais difícil. Mas, em razão do pedido do mestre ele dá este passo de confiança. Lançando as redes recolhe tamanha quantidade de peixe que precisa pedir ajuda aos outros companheiros. Ao perceber o que acontecia Simão tem medo de Jesus e lhe diz: “Afasta-te de mim, Senhor, pois sou um pecador” (Lc 5,8). Ao que Jesus responde: “Não tenhais medo, doravante serás pescador de homens” (Lc 5,10). Jesus muda o nome de Simão para Pedro, indicando que uma nova vida se lhe abria. Então, “atracando as barcas à terra, deixaram tudo e o seguiram” (Lc 5,11).

            Simão e os outros discípulos encontravam-se em um momento chave das suas vidas. A rede vazia representava o profundo vazio existencial que lhes tomava conta. Esta metáfora traduz a condição humana que, exaustivamente, lança as redes em busca de realização e felicidade, sem nada apanhar. Isso acontece porque se Deus não está na barca da existência humana, nada pode preencher o abismo profundo da alma. Nas redes de suas vidas, Simão e os companheiros constatam que há peixes, embora pareça que nunca sejam  suficientes. Sentem que falta algo mais para encher um abismo não preenchível por nada, nem pelo aconchego da família, nem pelas compensações conjugais, nem pela presença dos filhos, nem pelo dinheiro ganho. Cabisbaixos, abatidos, desanimados, sem esperança e sem alegria, aqueles discípulos representam todo ser humano que em algum momento da sua existência repensa sua história e questiona-se ao nível dos “porquês”, formulado por questões existenciais chaves, tais como: “por que vivo?”, “para que vivo?” e “para quem vivo?”.

            Questionar-se sobre o sentido último da existência e sobre aquilo que tem valor ou não, é o primeiro passo do caminho de conversão. Quando em Pentecostes Pedro anunciou o querigma, ou seja, o anúncio da boa nova da salvação dada à humanidade por Cristo ao morrer e ressuscitar, a multidão perguntava: o que devemos fazer? A resposta não foi outra senão aquela mesma experimentada pelo próprio Pedro: seguir o mestre e pertencer, de fato, ao povo de Deus em marcha (Igreja). Isto garante a todos uma pesca milagrosa e uma rede cheia.

            Em cada tempo da nossa caminhada humana e cristã, Jesus convida a adentrar em águas mais profundas. Isto significa avançar no vasto oceano da sabedoria de Deus que nos abre a experiência da vida cristã em sua Igreja. A caminhada cristã permite perscrutar os desígnios de Deus para cada um, porque certamente, tudo aquilo que ele pensou para nós ainda não se revelou por completo. Ora, este movimento somente pode acontecer pela fé.

A fé como decisão por Deus

O que é a fé, então? Nos ensinamentos da Igreja, considerou-se que a fé é o resultado de quem deu um passo de confiança em Deus e, portanto, fez um caminho de conhecimento Dele. A fé possui sete características:

1.    É um dom de Deus que todos podem ter, mediante pedido intenso.
2.    É uma força sobrenatural, que está além da força humana e que necessariamente precisamos para alcançar a salvação.
3.    É um ato de vontade livre e de lucidez do ser humano quando ele se abandona ao convite divino.
4.    É absolutamente segura, porque garantida por Jesus.
5.    É incompleta se não for por amor, força que a faz operante.
6.    Cresce na medida em que escutamos cada vez melhor a Palavra de Deus e permanecemos com Ele, na oração, em diálogo de vivo intercâmbio.
7.    Permite-nos a experiência antecipada da alegria de estar com Deus no Reino do Céu, aquilo que a teologia chegou a afirmar que é o “já e o ainda não”.

Para o questionamento que procura saber o como se crê? A resposta passa pela via da ligação pessoal  com Deus, que se abre para acreditar em tudo o que Ele revelou sobre si mesmo. É uma adesão e entrega nas mãos de Jesus Cristo: “Quando a fé nasce, ocorre com frequência uma perturbação ou um desassossego. O ser humano apercebe-se de que o mundo visível e o decurso normal das coisas não correspondem a tudo o que existe. Sente-se tocado por um mistério. Persegue as pistas que o remetem para a existência de Deus e encontra-se cada vez mais confiante em abordar Deus e, por fim, ligar-se a Ele livremente” (Youcat, 22).

Ao se afirmar que é na Igreja que a fé é vivida intensa e profundamente surge, inevitavelmente, a seguinte pergunta: o que tem a minha fé a ver com a Igreja? Este questionamento precisa ser abordado porque há aqueles que afirmam ter muita fé sem participar da comunidade cristã. Na tradição dos primeiros cristãos o primeiro passo da fé foi acolher e aderir a Cristo e o segundo, aprofundar essa adesão na vida da comunidade, a Igreja. Se uma pessoa adere a Jesus Cristo e não se deixa ser conduzido pelos caminhos da maturação da sua fé, corre o risco de criar a crença num “Jesus Cristo” particular, produto da sua imaginação e, portanto, distante do verdadeiro Cristo. O Papa Bento XVI afirmava que “é importante aquilo em que cremos, mas mais importante ainda é Aquele em quem cremos”. Foi para o crescimento na fé que Jesus instituiu a sua Igreja, local onde se reúnem aqueles que creem em Deus: “Cada crente dá o seu consentimento ao Credo da Igreja. Dela recebeu a fé. Foi ela que, ao logo dos séculos, lhe transmitiu a fé, a guardou de adulterações e a clarificou constantemente. Crer é, portanto, tomar parte numa convicção comum. A fé dos outros transporta-me, como também o fogo da minha fé incendeia os outros e os fortalece” (Youcat, 24).

Convictos de que a fé tem como ponto de partida a aceitação da pessoa de Cristo e como etapa subsequente, a caminhada de amadurecimento da mesma, na Igreja, pergunta-se: em que cremos? Para responder, recorremos aos conteúdos da nossa fé, que estão expressos de forma resumida no Credo que todos os domingos repetimos na Missa. As afirmações do Credo foram firmadas nos primeiros séculos do início da Igreja, quando muitas ideias tendiam a distorcer os fundamentos da fé. Professar a fé Católica é, portanto, acreditar e manifestar convictamente os artigos do Credo. Assim:

·         Cremos no Deus Trindade que é um só Deus em três pessoas reais e distintas: Pai, Filho e Espírito Santo. Cremos que Jesus Cristo e o Espírito Santo é Deus como o Pai.
·         Cremos no Deus criador do céu e da terra e de todas as coisas visíveis e invisíveis.
·         Cremos em Jesus Cristo, Filho único de Deus, nascido do Pai antes de todos os séculos, gerado e não criado, de igual substância ao Pai. Por Ele todas as coisas foram feitas e por nós, homens, e para nossa salvação desceu dos Céus. Encarnou, por obra do Espírito Santo, no seio da Virgem Maria e, assim, se fez homem. Morreu por nós e sob o poder de Pôncio Pilatos padeceu, morreu e depois foi sepultado. Contudo, ressuscitou ao terceiro dia, conforme o testemunho das Escrituras. Subiu aos céus, onde está sentado à direita do Pai, até quando voltará em sua glória para julgar os vivos e os mortos e, então, o seu reino não terá fim.
·         Cremos no Espírito Santo, Senhor que dá a vida, e procede do Pai e do Filho. Com o Pai e o Filho é adorado e glorificado, tendo falado por todos os profetas.
·         Cremos na Igreja que é una, santa, católica (universal) e apostólica. Professamos e somos fiéis a um só Batismo, defendendo-o para a libertação dos pecados. Esperamos a ressurreição dos mortos e a vida do mundo que há de vir.

  
Conclusão

Nestas missões populares em que viveremos a dimensão missionária do nosso batismo, que cada um renove, junto a Cristo, a sua fé que foi recebida da Igreja como um dom, mas também como tarefa. É dom porque dado gratuitamente por Deus. É também tarefa, de aprofundarmos o conhecimento e a vivência da fé e, ainda, testemunhá-la ao mundo.
Aventuremo-nos, porém com segurança, pelas águas profundas da sabedoria e da experiência com Deus. Como a Pedro e a seus companheiros, Jesus nos convida a não ter medo!

 Pe. Valdomiro José de Souza



Pe. Valdomiro é Coordenador Diocesano de Pastoral
e pároco da Paróquia São João Batista
na Diocese de Franca/SP.