terça-feira, 28 de julho de 2015

A Igreja em Conversão Pastoral



26. Em honra da verdade, devemos reconhecer que hoje na América a visão da
Igreja não está determinada pelo seu dinamismo missionário. Sua principal atividade,
normal, não é a missão ou a evangelização, mas o que se chama “atividade
pastoral” que, pressupondo haver sido pregada e aceita a fé, leva consigo certos
compromissos e ações dirigidos ao amadurecimento da fé dos crentes, à sua santificação
por meio dos sacramentos, à defesa de sua fidelidade e à promoção da
sua coerência com a fé que professam.

27. O contraste existente entre uma “pastoral de conservação” e uma “pastoral
missionária” pode ser iluminado a partir da imagem bíblica que expressamente
dá nova interpretação cristológica à metáfora apocalíptica do fim do mundo: a
imagem do grão de trigo que morre e assim dá muitos frutos. Na ordem pessoal, é
necessário nascer de novo da água e do Espírito; na ordem eclesial, será preciso
morrer para certas formas históricas como o clericalismo, o sacramentalismo, o
autoritarismo, o centralismo e todo tipo de estrutura que não gera vida e fraternidade
no Espírito. A essa mudança chamamos de conversão pastoral, que pode
ser comparada à experiência do deserto. O deserto era o caminho doloroso a ser
percorrido para alcançar a terra prometida (Canaã) depois de deixar corajosamente
a terra da escravidão (Egito). A Igreja primitiva também teve que atravessar seu
deserto.

28. Os primeiros apóstolos tiveram que romper com as práticas judaicas, como havia
feito o Mestre de Nazaré, violando o sábado e as proibições do tratamento com
os enfermos e excluídos da sociedade a fim de trazer vida, e vida em abundância
para todos. Desse modo, esses judeus cristãos criaram novas práticas pastorais,
como sair da própria geografia palestina e levar a Boa Notícia a outros países,
adotar novas linguagens, como maneira de inculturar o Evangelho ou fazer dos
lugares domésticos casas de culto (Cf. At 29,8). A audácia pastoral de São Paulo
leva a Igreja primitiva a dispensar os cristãos vindos do paganismo de práticas judaicas,
como a circuncisão. Assim, a Igreja, deixando-se guiar pelo Espírito, transforma
sua prática pastoral para fazer chegar o Evangelho a todos os lugares.

29. As pequenas comunidades fizeram a transição. O espaço que separava o
mundo pagão e os membros do Reino de Deus foi permeado pela experiência de
comunhão dos primeiros cristãos (Cf. At 2, 42-49), que se configurou como subcultura
emergente, que chegou a transformar a sociedade. A transição foi possível
graças a uma profunda experiência de fé em Cristo ressuscitado e pelo protagonismo
aceito do Espírito Santo, com a docilidade dos missionários (Cf. O. Martinez.
No começo foi a casa).

30. Na história da Igreja na América Latina há uma longa lista de famosos missionários
que abriram brechas em diversas frentes pastorais. Alguns se esforçaram
para aprender as línguas nativas e entender o Evangelho com maior profundidade,
e outros se dedicaram a estudar as culturas indígenas e mestiças para inculturar
o Evangelho. Isso permitiu dar os primeiros passos em uma Igreja autóctone, com
rosto próprio e novos critérios pastorais.

31. Voltar a esta fonte é o maior desafio para a Igreja: ela é “chamada a repensar
profundamente e a relançar com fidelidade e audácia sua missão nas novas
circunstâncias latino-americanas e mundiais... Trata-se de confirmar, renovar e
revitalizar a novidade do Evangelho arraigada em nossa história, a partir de um encontro
pessoal e comunitário com Jesus Cristo, que desperte discípulos missionários”
(DA 11). Procura-se uma nova evangelização, que deve ser missionária, em
diálogo com todos os cristãos e a serviço de todos os homens (Cf. DA 13). Diante
dos tempos em mudança que vivemos e à explícita recusa dos sinais cristãos, o
Sínodo dos Bispos sobre a Nova Evangelização fornece importantes propostas e
pistas.

32. O desafio fundamental que enfrentamos é mostrar a capacidade de a Igreja
promover e formar missionários que respondam à vocação recebida e comuniquem
em todos os lugares com imensa gratidão a alegria do dom do encontro com
Cristo. Não há outro tesouro a não ser este. Não possuímos outra felicidade nem
outra prioridade senão a de ser na Igreja instrumentos do Espírito de Deus, para
Jesus Cristo ser encontrado, seguido, amado, adorado, anunciado e comunicado
a todos, apesar das dificuldades e resistências. Para concluir incisivamente: “Este
é o melhor serviço – o seu serviço! – que a Igreja deve oferecer às pessoas e nações”
(DA 14).

Fonte: INSTRUMENTO DE PARTICIPAÇÃO CAM 4 - Comla 9

terça-feira, 21 de julho de 2015

PALAVRA DE DEUS: O CHAMADO E O ENVIO



A teologia investiga a natureza da vocação do cristão. Inspirados em Aparecida,
nos perguntamos: como pode o crente percorrer o caminho que vai do lugar
concreto em que vive até a meta de uma vida plena em Jesus Cristo? Aparecida
nos responde que a mediação pedagógica para percorrer esse caminho é o “discipulado
missionário”. Em outras palavras, se um crente, homem ou mulher, quer
percorrer o caminho, deve tornar-se um discípulo missionário de Jesus Cristo.

Encontramos a pedagogia dessa transformação na Escola do Mestre Jesus.
É ele quem chama, diferentemente dos demais rabinos que eram seguidos pelos
seus ouvintes: “Não fostes vós que me escolhestes, fui eu quem vos escolhi” (Jo
15,16). Este é o ENCONTRO PESSOAL mais importante dos apóstolos, que produz
uma identificação, uma vinculação tão estreita com ele, que chega a converter-
se na fonte da vida, porque só ele tem palavras de “vida eterna” (Cf. Jo 6,68),
(Cf. DA 131).

O segundo passo é a CONVERSÃO PESSOAL, que deve ser renovada todos
os dias e vivida na comunhão da Igreja. Eles não foram convocados para algo
(purificar-se, aprender a lei...), mas por alguém; são chamados para vincular-se
intimamente à sua pessoa (Cf. Mc 1,17; 2,14). Jesus os elegeu para ficarem com
ele e para os enviar a anunciar a Boa Nova (Mc 3,14), para o seguirem com a finalidade
de ser “dele”, fazer parte “dos seus” e participar da sua missão (Cf. DA 131).

PARA FAZERMOS UMA COMUNIDADE COM ELE. Esta é a comunhão com o
Mestre que cada ser humano chamado deve fazer. Compartilham com ele a mesa:
a comum e a Pascal (Cf. Mc 2,15 ss; 14,22-25); ensina-lhes a se comunicar com
o Pai (Cf. Mc 9,2-8), mostra-lhes na prática que o amor mútuo é o esteio da comunidade
cristã (Cf. Jo 15,12); prepara-os para trabalhar na e com a comunidade
e a responder às suas necessidades concretas, físicas e espirituais (Mc 6,30-44;
8,1-9). Nos tempos que vivemos hoje é absolutamente indispensável o encontro
íntimo com Jesus na vida da comunidade. É impossível pensar um caminho como
discípulos sem uma vida em comunhão. O documento de Aparecida afirma que
existe a tentação de nos comprometermos em buscas espirituais individualistas ou
sermos cristãos sem Igreja.

PARA SERMOS SEUS DISCÍPULOS. “Vinde e vede” (Jo 1,39). Aqui está o
coração da natureza do cristão, que consiste em reconhecer a presença de Jesus
Cristo e o seguir. Esta foi a experiência dos primeiros discípulos que encontraram
Jesus; ficaram fascinados e cheios de assombro diante da excepcionalidade de
quem lhes falava, da maneira como os tratava, e que correspondia à fome e sede
de vida que havia em seus corações.

O discípulo experimenta que a conexão íntima com Jesus no grupo dos seus
é participação da vida que sai das entranhas do Pai; formar-se para assumir seu
próprio estilo de vida e motivações (Cf. Lc 6, 40 b), correr seu próprio risco e assumir
a sua missão de fazer novas todas as coisas (Cf. DA 131).

O próprio Cristo nos dá o método: “Vinde e vede” (Jo 1,39). “Eu sou o Caminho,
a Verdade e a Vida” (Jo 14,6). Com ele e com seu estilo desenvolvemos as potencialidades
inerentes às pessoas e formamos discípulos missionários (Cf. DA 276).

 E IR EM MISSÃO: na missiologia anterior se colocavam na balança os textos
em que Jesus ordenava claramente ir à missão e os textos que indicavam a proibição
da mesma. Ainda mais, havia a pergunta: “Por que era necessário ir além
das margens do Mar da Galileia, se Jesus não foi além delas?” Como os apóstolos
superaram uma derrota tão grande como foi a morte do Mestre e se lançaram para
uma missão tão bem sucedida? Para responder ao questionamento, nos deparamos
com dois elementos que se conjugam mutuamente e nos servem de chave
para a busca e a aplicação do mesmo “modelo missionário”: 1) uma experiência
vital da fé - encontro com o Ressuscitado; 2) uma docilidade à ação do Espírito
Santo - práxis missionária.

A experiência de fé é o ponto de partida: “Assim como tu me enviaste ao mundo,
eu também os enviei” (Jo 17,18 e Cf. 20,21). Palavras ouvidas à luz de Cristo
ressuscitado e que ecoaram no coração dos discípulos, que as converteram em
um bem-sucedido projeto missionário. A força do Ressuscitado é maior do que
qualquer ameaça, dúvida ou temor, e maior do que a morte sofrida pelo Mestre.
As promessas do Evangelho de Marcos: “Primeiro é necessário que a Boa Nova
seja anunciada a todas as nações” (Mc 13,10) e “Em verdade eu vos digo: onde for
anunciado o Evangelho, no mundo inteiro, será mencionado também, em sua memória,
o que ela fez” (Mc 14,9), mais a proclamação universal de um “Evangelho
eterno” (Ap 14,6-7), trazida por um anjo, colocam nos lábios de Jesus um Evangelho
que perpassa do céu até o final dos tempos, mensagem que os apóstolos
relêem, consagrando-se a uma missão terrestre sem precedentes.

A segunda característica é a docilidade ao Espírito Santo. A práxis missionária
que levou os discípulos de Jerusalém a Roma (missão continental) só foi possível
graças à liderança do Espírito Santo; a declaração referente ao banquete do
Reino de Lucas: “Ali haverá choro e ranger de dentes, quando virdes Abraão, Isaac,
Jacó, junto com todos os profetas, no Reino de Deus, enquanto vós mesmos
sereis lançados fora. Virão muitos do oriente e do ocidente, do norte e do sul, e
tomarão lugar à mesa no Reino de Deus” (Lc 13,28-29), prepara a parábola dos
convidados e, por meio dela, a evocação da missão: “Saí depressa pelas praças e
ruas da cidade... para que minha casa fique cheia” (Lc 14,21-23).

Finalmente, é importante que se diga que ser Discípulo Missionário em Aparecida
se apresenta como elemento constitutivo da fé e a meta mais importante da
vocação do cristão, absolutamente necessária e básica para o seguimento consciente
do Mestre. As vocações subsequentes (ministérios) terão consistência na
medida em que estiverem firmemente enraizadas como discípulos missionários.


Bento XVI recordava, na inauguração da Conferência de Aparecida, a união
íntima entre discipulado e missão: “O discípulo, fundamentado assim na rocha
da Palavra de Deus, sente-se motivado a levar a Boa Nova da salvação a seus
irmãos. Discipulado e missão são como as duas faces da mesma moeda: quando
o discípulo está apaixonado por Cristo, não pode deixar de anunciar ao mundo que
só ele nos salva (Cf. At 4,12). De fato, o discípulo sabe que sem Cristo não há luz,
não há esperança, não há amor, não há futuro” (DA 146).

Fonte: INSTRUMENTO DE PARTICIPAÇÃO: CAM 4 - Comla 9