sábado, 13 de junho de 2015

A IGREJA MISSIONÁRIA HOJE



 
As luzes e as sombras da atual situação da família humana se apresentam como sinais dos tempos que nos convidam à escuta e ao discernimento do que “o Espírito diz às Igrejas” (Ap 2,29), e nos provocam repensar a missão como um todo, para que a nossa ação e animação missionária seja sustentada por uma apropriada reflexão teológica, uma conversão interior e um testemunho profético.

Diante das epocais mudanças da missão da Igreja no mundo contemporâneo, o Concílio Ecumênico Vaticano II redescobria uma visão de missão fundada na Missio Dei. No Decreto Ad Gentes se afirma sem hesitação que “a Igreja peregrina é por sua natureza missionária” (AG 2). A missão antes de ser tarefa é uma essência que tem origem no amor fontal do Pai, um amor que não se contém, que transborda, se comunica e sai de si. A missão dos cristãos é, portanto, participação ao mistério de Deus e à vida divina.

Compreender a missão não como uma atividade ou uma necessidade histórica, mas como essência gratuita de Deus-Amor, é um primeiro passo para uma profunda renovação eclesial. Trata-se de passar da afirmação da “nossa” missão, à transparência da missão de Deus num testemunho sem pretensões. Podemos afirmar que não é uma Igreja que tem uma missão, mas uma missão que tem uma Igreja. A Igreja missionária hoje, portanto, é uma Igreja discípula: colocando-se no seguimento de Jesus, não se propõe como “mestra” (cf. Mt 23,8), mas como aquela que se dispõe a escutar e aprender de um Deus presente e operante na história. Daqui o mandato não de “fazer obras”, mas de “serem discípulos” e “fazer discípulos todos os povos” (Mt 28,19).

O convite ao seguimento de Jesus, salvação para nós e para todos, nos coloca sempre a caminho junto às pessoas, num estado de contínua itinerância, num êxodo pascoal de morte e ressurreição, numa travessia que requer leveza e despojamento. O discipulado nos convida a sair de nós mesmos, da nossa comunidade e da nossa terra: o discípulo é sempre um enviado. Jesus chama ao seu seguimento para enviar em missão. É preciso aprender a deixar tudo para nos aproximar gratuitamente aos pobres e aos outros.

O discipulado missionário é sempre um caminho comunitário e eclesial. O discípulo é o “irmão” por excelência, que anuncia com as suas relações que Deus é pai de todos, que em Cristo nos faz seus filhos e filhas e, portanto, irmãos entre nós: esse é o anúncio fundamental para o mundo de hoje. A missão em comunidade proclama com a vida e as palavras uma outra visão de humanidade, uma ordem de relações na qual é excluída toda forma de domínio sobre o outro. A prática da fraternidade se presenta assim como uma nova lógica de convivência universal. A comunhão e a partilha anuncia o transbordar do amor de Deus-Trindade em nossas vidas, como uma nova maneira de repensar nas relações entre as pessoas, além de todas as fronteiras, para fazer do mundo uma só família de irmãos e irmãs.

Por isso a Igreja é enviada ad gentes. A saída de nós mesmos para tornar-nos hóspedes nas casas dos outros e companheiros dos pobres, nos leva a ir ao encontro às pessoas e encarnar-nos em suas realidades, sem esperar que os povos venham a nós. Uma efetiva opção pelos pobres e pelos outros comporta um deslocamento fundamental em termos de perceber e questionar a realidade do ponto de vista das vítimas, dos crucificados, dos injustiçados, dos fiéis de outras religiões, aderindo de fato a um projeto de mundo global mais justo, solidário, e plural significativamente “outro” daquilo que temos diante dos olhos.

 Os horizontes deste movimento de proximidade são sempre os confins da terra. Crer no Evangelho e na missão é crer que não existem barreiras irredutíveis para encontrar as pessoas. A universalidade é o horizonte evangélico da missão: se essa fosse geográfica, cultural, étnica, socialmente ou eclesialmente limitada e se dirigisse somente a “nós”, ela se tornaria excludente. Ao contrário, a paixão pelo mundo, própria da vocação cristã, se expressa no sentir e no vibrar profundamente pela humanidade inteira, e em ser capaz de realizar gestos ousados e concretos de solidariedade, de partilha e de aproximação com os outros povos. Só assim nos tornaremos um sinal profético de uma nova humanidade mundial, fraterna e multicultural.

Tendo presente esses fundamentos, percebemos de estar diante de uma nova compreensão da missão e de seus sujeitos. Constituindo a essência da Igreja, a missão encontra agora nas Igrejas locais os seus primeiros protagonistas e em todos os batizados o chamado a anunciar o Evangelho. A evangelização é um dever fundamental do todo o povo de Deus: por isso é necessário uma profunda renovação interior (cf. AG 35).

A missão, elemento estruturante da identidade e da atividade de toda a Igreja, se expressa hoje num quadro complexo de situações e de interlocutores que não permite mais de interpretá-la numa única direção. Ela se apresenta como uma realidade articulada e compenetrada, com aspectos não bem definíveis entre os diversos âmbitos: pastoral, nova evangelização e missão ad gentes (cf. RMi 37). Contudo, a Igreja é convidada a nunca perder a referência da missão ad gentes, sem a qual “a própria dimensão missionária da Igreja ficaria privada de seu significado fundamental e de seu exemplo de atuação” (RMi 34).

 Também no que diz respeito às tarefas da Igreja missionária, é preciso considerar uma pluralidade de mediações que vão do ministério profético do testemunho e do anúncio do Evangelho, ao ministério sacerdotal da celebração dos sacramentos, ao ministério da caridade na fraternidade (koinonia) e no serviço aos mais necessitados (diakonia). A estas mediações essenciais precisa acrescentar: o diálogo intercultural e inter-religioso, a promoção da justiça e da paz, o cuidado com a criação, a enculturação e o compromisso com a reconciliação entre os povos. Tudo isso é parte integrante da obra de evangelização.

Por estas considerações, podemos perceber que a missão chama à conversão non somente os não-cristãos, mas antes de tudo a própria Igreja. Com efeito, “impõe-se uma conversão radical da mentalidade para nos tornarmos missionários” (RMi 49). Trata-se de “sair de nossa consciência isolada e de nos lançarmos, com ousadia e confiança, à missão de toda Igreja” (DAp 363), abandonando estruturas caducas (cf. DAp 365), transformando as nossas pessoas (cf. DAp 366), as nossas relações (cf. DAp 368), as nossas práticas pastorais (cf. DAp  370) e projetando-nos à missão ad gentes (DAp 376).

  Este novo panorama eclesial vê o compromisso missionário engajado necessariamente em duas frentes: a ação missionária no mundo, particularmente nas situações mais desafiadoras, e a animação missionária nas Igrejas locais. Por um lado, é preciso expressar a missão como diaconia ao mundo em termos de testemunho, serviço, diálogo e anúncio do Reino de Deus. Por outro lado, é preciso fazer com que toda comunidade eclesial se torne efetivamente protagonista da missão através uma incessante atuação de animação e motivação.

Neste segundo âmbito cabe lembrar que é dever continuar a promover uma específica animação e formação missionária em ordem a uma consagração ad vitam à própria missão. Sem missionárias e missionários consagrados não há missão nos âmbitos mais exigentes. Bento XVI recorda que “a vida consagrada resplandece em toda a história da Igreja, pela sua capacidade de assumir explicitamente o dever do anúncio e da pregação da Palavra de Deus na missio ad gentes e nas situações mais difíceis” (VD 94c). Esse testemunho não pode desaparecer ou ficar “diluído” na missão global de todo o povo de Deus (cf. RMi 34): quanto mais a missão for proposta na sua autêntica radicalidade, tanto mais será afirmado seu significado e seu valor para a vida de todos os batizados.

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