O discipulado
missionário é sempre um caminho comunitário e eclesial. O discípulo é o “irmão”
por excelência, que anuncia com as suas relações que Deus é pai de todos, que
em Cristo nos faz seus filhos e filhas e, portanto, irmãos entre nós: esse é o
anúncio fundamental para o mundo de hoje. A missão em comunidade proclama com a
vida e as palavras uma outra visão de humanidade, uma ordem de relações na qual
é excluída toda forma de domínio sobre o outro. A prática da fraternidade se
presenta assim como uma nova lógica de convivência universal. A comunhão e a
partilha anuncia o transbordar do amor de Deus-Trindade em nossas vidas, como
uma nova maneira de repensar nas relações entre as pessoas, além de todas as
fronteiras, para fazer do mundo uma só família de irmãos e irmãs.
Por isso a Igreja
é enviada ad gentes. A saída de nós
mesmos para tornar-nos hóspedes nas casas dos outros e companheiros dos pobres,
nos leva a ir ao encontro às pessoas e encarnar-nos em suas realidades, sem
esperar que os povos venham a nós. Uma efetiva opção pelos pobres e pelos
outros comporta um deslocamento fundamental em termos de perceber e questionar
a realidade do ponto de vista das vítimas, dos crucificados, dos injustiçados,
dos fiéis de outras religiões, aderindo de fato a um projeto de mundo global
mais justo, solidário, e plural significativamente “outro” daquilo que temos
diante dos olhos.
Os horizontes
deste movimento de proximidade são sempre os confins da terra. Crer no
Evangelho e na missão é crer que não existem barreiras irredutíveis para
encontrar as pessoas. A universalidade é o horizonte evangélico da missão: se
essa fosse geográfica, cultural, étnica, socialmente ou eclesialmente limitada
e se dirigisse somente a “nós”, ela se tornaria excludente. Ao contrário, a
paixão pelo mundo, própria da vocação cristã, se expressa no sentir e no vibrar
profundamente pela humanidade inteira, e em ser capaz de realizar gestos
ousados e concretos de solidariedade, de partilha e de aproximação com os
outros povos. Só assim nos tornaremos um sinal profético de uma nova humanidade
mundial, fraterna e multicultural.
Tendo presente
esses fundamentos, percebemos de estar diante de uma nova compreensão da missão
e de seus sujeitos. Constituindo a essência da Igreja, a missão encontra agora
nas Igrejas locais os seus primeiros protagonistas e em todos os batizados o
chamado a anunciar o Evangelho. A evangelização é um dever fundamental do todo
o povo de Deus: por isso é necessário uma profunda renovação interior (cf. AG 35).
A missão,
elemento estruturante da identidade e da atividade de toda a Igreja, se
expressa hoje num quadro complexo de situações e de interlocutores que não
permite mais de interpretá-la numa única direção. Ela se apresenta como uma
realidade articulada e compenetrada, com aspectos não bem definíveis entre os
diversos âmbitos: pastoral, nova evangelização e missão ad gentes (cf. RMi 37).
Contudo, a Igreja é convidada a nunca perder a referência da missão ad gentes, sem a qual “a própria
dimensão missionária da Igreja ficaria privada de seu significado fundamental e
de seu exemplo de atuação” (RMi 34).
Também no que diz respeito às tarefas da
Igreja missionária, é preciso considerar uma pluralidade de mediações que vão
do ministério profético do testemunho e do anúncio do Evangelho, ao ministério
sacerdotal da celebração dos sacramentos, ao ministério da caridade na fraternidade
(koinonia) e no serviço aos mais necessitados (diakonia). A estas mediações
essenciais precisa acrescentar: o diálogo intercultural e inter-religioso, a
promoção da justiça e da paz, o cuidado com a criação, a enculturação e o
compromisso com a reconciliação entre os povos. Tudo isso é parte integrante da
obra de evangelização.
Por estas
considerações, podemos perceber que a missão chama à conversão non somente os
não-cristãos, mas antes de tudo a própria Igreja. Com efeito, “impõe-se uma
conversão radical da mentalidade para nos tornarmos missionários” (RMi 49). Trata-se de “sair de nossa
consciência isolada e de nos lançarmos, com ousadia e confiança, à missão de
toda Igreja” (DAp 363), abandonando
estruturas caducas (cf. DAp 365),
transformando as nossas pessoas (cf. DAp
366), as nossas relações (cf. DAp 368),
as nossas práticas pastorais (cf. DAp 370) e projetando-nos à missão ad gentes (DAp 376).
Este novo
panorama eclesial vê o compromisso missionário engajado necessariamente em duas
frentes: a ação missionária no mundo, particularmente nas situações mais
desafiadoras, e a animação missionária nas Igrejas locais. Por um lado, é
preciso expressar a missão como diaconia ao mundo em termos de testemunho,
serviço, diálogo e anúncio do Reino de Deus. Por outro lado, é preciso fazer
com que toda comunidade eclesial se torne efetivamente protagonista da missão
através uma incessante atuação de animação e motivação.
Neste segundo
âmbito cabe lembrar que é dever continuar a promover uma específica animação e
formação missionária em ordem a uma consagração ad vitam à própria missão. Sem missionárias e missionários
consagrados não há missão nos âmbitos mais exigentes. Bento XVI recorda que “a
vida consagrada resplandece em toda a história da Igreja, pela sua capacidade
de assumir explicitamente o dever do anúncio e da pregação da Palavra de Deus
na missio ad gentes e nas situações
mais difíceis” (VD 94c). Esse testemunho não pode desaparecer ou ficar
“diluído” na missão global de todo o povo de Deus (cf. RMi 34): quanto mais a missão for proposta na sua autêntica
radicalidade, tanto mais será afirmado seu significado e seu valor para a vida
de todos os batizados.
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